Pesquisa

Erros comuns

Erros comuns quando falamos de fibra

Catarina Sousa Guerreiro

Professora Associada em Nutrição na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Nutricionista com a especialidade em Nutrição Clínica no Hospital da Luz.

Assumirmos que a fibra presente nos alimentos é toda igual

A fibra é uma estrutura de origem vegetal presente ou oriunda de alimentos, cujo organismo humano não tem capacidade para a digerir. À parte desta característica que a define, a fibra pode apresentar várias outras propriedades que em conjunto a torna ou não útil em determinadas condições clínicas, nomeadamente as gastrointestinais. São 3 as grandes características da fibra: a capacidade de se hidratar (solubilidade), a capacidade de em contacto com uma matriz líquida criar substância viscosa (viscosidade), e por fim a capacidade de ser fermentada pela microbiota intestinal (fermentabilidade). Escolher um alimento com maior ou menor teor de fibra solúvel, com mais ou menos fibra viscosa ou fermentável terá impacto importante no potencial benefício que dela esperamos.

Considerarmos ao dia de hoje que cereais integrais do tipo farelo de trigo são excelentes fontes fibra a recomendar no SII ou na obstipação

O farelo de trigo foi reconhecido durante muitos anos como uma alternativa muito válida para quadros de SII-O ou obstipação. Hoje esse pressuposto já não é aceite sendo reconhecido por diferentes entidades (ex. AGA, ACG) que o tipo de fibra mais útil para estes quadros clínicos é aquela que apresente características mais solúveis, viscosas e passiveis de sofrer uma fermentação ao nível do colon. O farelo de trigo tem poucas dessas propriedades, conferindo essencialmente aumento do volume fecal sem, no entanto, promover hidratação do mesmo, levando a fezes mais secas e rijas.

Retirar por completo da dieta qualquer tipo de fibra em situações de diarreia

Conferir consistência às fezes, sem acelerar o transito intestinal é possível através do consumo/toma de fibra desde que esta tenha propriedades, solúveis,  viscosas (por ex. o psyllium, pectina) e com algum grau de fermentação (ex. goma guar parcialmente hidrolisada, amido resistente). O seu impacto numa matriz aquosa confere consistência à mesma (pelo efeito esponja e por reabsorção de Na+ e água) podendo ser por isso recomendada em quadros de diarreia. A exclusão deve ser feita apenas na fibra insolúvel.  

Desconhecer o enorme impacto metabólico positivo da fibra

Se até há uns anos atrás o interesse da fibra estava apenas associado ao seu benefício na melhoria do trânsito intestinal, atualmente o grande e mais estudado benefício que a fibra apresenta tem a ver com a sua capacidade fermentativa: há fibras que ao serem capazes de sofrer degradação pelas bactérias intestinais, produzem substâncias com importante impacto metabólico para a saúde intestinal, nomeadamente o butirato- a melhor fonte de energia do colonocito. Por outro lado, é esta fermentação que permite uma maior diversidade da microbiota intestinal sendo esta variedade determinante para uma adequada resposta imunológica. É ainda de acrescentar que alguns tipos de fibra (ex a presente na aveia, ou no psyllium por ex) graças à sua capacidade de criar substâncias viscosas apresentam os benefícios metabólicos sistémicos associados ao aumento da saciedade ou diminuição da resposta glicémica. Este é sem dúvida um tópico complexo dentro da nutrição, mas cuja adequada manipulação pode trazer grandes benefícios à condição clínica do doente.

Referências:

  • Gill, S. K., Rossi, M., Bajka, B., & Whelan, K. (2021). Dietary fibre in gastrointestinal health and disease. Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology18(2), 101-116.
  • Armstrong, H., Mander, I., Zhang, Z., Armstrong, D., & Wine, E. (2021). Not All Fibers Are Born Equal; Variable Response to Dietary Fiber Subtypes in IBD. Frontiers in Pediatrics8, 620189
  • McRorie Jr, J. W., & McKeown, N. M. (2017). Understanding the physics of functional fibers in the gastrointestinal tract: an evidence-based approach to resolving enduring misconceptions about insoluble and soluble fiber. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics117(2), 251-264.