Pesquisa

Erros comuns

Erros em dispépsia

Mónica Velosa
Serviço de Gastrenterologia, Hospital da Luz

Focar excessivamente no aspecto “orgânico” das causas de dispépsia, atrasando o diagnóstico de dispépsia funcional

  • Cerca de 90% dos indivíduos com queixas dispépticas – dor epigástrica, enfartamento pós-prandial e saciedade precoce – sem sinais de alarme têm dispépsia funcional. O uso de endoscopia digestiva alta no diagnóstico de dispépsia tem sido apoiado por diferentes sociedades internacionais, mas em 70% dos doentes com dispépsia, os achados são normais ou não significativos.
  • Atrasar o diagnóstico de dispépsia funcional pode ter efeitos deletérios para o doente, contribuindo para um aumento da ansiedade associada aos sintomas, irritabilidade e frustração.

Sobrevalorização do impacto do Helicobacter pylori na sintomatologia

Em doentes com dispepsia que são H. pylori positivos está recomendada a sua erradicação. No entanto, a resposta clínica a este tratamento acontece numa minoria de doentes – cerca de 10% no grupo com dor epigástrica – e pode demorar entre 6 e12 meses. Assim, na maioria dos casos, será necessário recorrer a terapêuticas de segunda linha. É crucial gerir as expectativas quanto à resposta terapêutica, destacando estas limitações.

Não investir na qualidade da relação médico-doente

As queixas dispépticas têm um impacto significativo na qualidade de vida dos doentes, não apenas pelos sintomas, mas também pela restrição de actividades quotidinas, associando-se a ansiedade e depressão e a diminuição na mobilidade e autocuidado. Estratégias de comunicação eficazes, considerando o contexto biopsicossocial, são fundamentais. Perguntar sobre o bem-estar, reforçar intervenções comportamentais e de estilo de vida, tranquilizar o doente e manter aberta a discussão de ideias são medidas essenciais.

Utilização prolongada de inibidores da bomba de protões – chamados erroneamente de “protectores gástricos”

  • Este é um dos temas mais controversos na dispepsia, sem consenso entre diferentes sociedades. Na Europa, a inibição da secreção ácida é recomendada como primeira linha, especialmente na dor epigástrica, enquanto nos Estados Unidos, os moduladores de ação central são prioritários. Embora eficazes, existe grande variabilidade na dosagem e na duração do tratamento.
  • A acidez gástrica deve ser vista como um adjuvante na digestão e um promotor da barreira imunológica , evitando-se a terminologia “protetor gástrico” para não promover o uso indiscriminado e prolongado desta classe de medicamentos.

Abordagem tardia do uso intervenções dietéticas

Muitos doentes com dispepsia identificam alimentos que desencadeiam sintomas e desejam orientações dietéticas. Estudos recentes indicam que o acompanhamento por nutricionistas e dietas como a FODMAPs resultam em melhoria sintomática. Abordar esta questão na primeira consulta pode identificar quem beneficiaria dessas intervenções, reduzindo a tendência de referenciação tardia observada em estudos populacionais.

Omitir potenciais perturbações do comportamento alimentar

Cerca de 55% dos doentes com sintomas dispépticos ou gastroparesia (náuseas e/ou vómitos) apresentam sintomas relacionados com PCA, sobretudo ARFID (transtorno de evicção/restrição alimentar). A identificação precoce dessas perturbações permite uma abordagem integrada eficaz, evitando, por exemplo, dietas restritivas como FODMAP, que podem agravar o comportamento restritivo.

Adiar o uso de moduladores centrais /psicotrópicos

Apesar da elevada prevalência de dispepsia, muitos gastroenterologistas sentem-se desconfortáveis em manejar medicamentos com ação central. A falta de discussão com outras especialidades, como a psiquiatria, faz com que estes fármacos sejam reservados para casos de comorbilidades psiquiátricas. É fundamental adquirir confiança no uso destas medicações e discutir a sua introdução precocemente no plano terapêutico, para desmistificar receios sobre efeitos secundários. Quanto mais o gastroenterologista dominar o eixo intestino-cérebro, mais seguro estará para prescrever esta classe, especialmente em doentes com stress pós-prandial.